quarta-feira, 25 de abril de 2012

Começa a Folia do Divino

Atualizado em 25/04/2012 - 22:25


Imagem do Divino Espírito Santo na Capela da Casa Mandicuéra - Foto: Silzi Mossato
Aorélio é o mestre, na rabeca. Denis Lang o violeiro. Sombra (Odair José Américo Pereira) é o tibe, aquele que canta com a voz de contralto. Jairo na caixa e Poro de Jesus no adufe dão o ritmo. Este é o grupo de foliões que passará 30 dias tocando e cantando de casa em casa na Romaria do Divino Espírito Santo pelas ilhas e pequenas comunidades do litoral do Paraná.
Os cinco, mais algumas pessoas que os acompanham, saem nesta sexta-feira, 13, de barco e devem passar todos os dias, até a Festa do Divino, das 7 horas da manhã até às 18 horas levando duas Bandeiras, a do Divino Espírito Santo e a da Santíssima Trindade, para as famílias, algumas das quais em lugares quase isolado da civilização. São famílias de pescadores tradicionais que recebem os romeiros com fé, reverência e alegria. Quando eles ouvem o toque da caixa ao longe, a emoção toma conta. Todos largam seus afazeres e vão se preparar para receber as Bandeiras em suas casas. Tomam banho, vestem suas melhores roupas e aguardam pelo momento em que suas moradas serão abençoadas pelo Divino.
Segundo o roteiro divulgado por Poro de Jesus no Facebook, nos dias 14,15 e 16 os foliões vão percorrer a Barra do Ararapira, dia 17, Vila Fátima, 18, Sebui e 19, Bertioga. Gabriel, na Casa Mandicuéra, ficará online dando a localização da romaria para quem desejar participar no meio do caminho. Nos dias 5 e 6 de maio os foliões vão estar mais perto de Paranaguá, na Ilha de São Miguel.


Pelo Facebook, Aorelio Domingues manda avisar que houve mudanças no calendário da Romaria:


Atenção mudanças no Calendário da Romaria do Divino por causa da chuva:


dia 26 quinta - Ilha das Peças


dia 27 e 28 sexta e sábado - Ilha Rasa



dia 29 e 30 domingo e segunda- São Miguel.


Viola Caipira na Casa Mandicuera



Na foto podemos vê-los atentos às orientações dos mestres. Integram o grupo de aprendizes de viola de fandango, que nas tardes de sábado deixam a cidade de Morretes e seguem para a Ilha dos Valadares, em Paranaguá onde se unem aos outros alunos da Casa Mandicuera.
Viola Caipira         Viola de Fandango
Passam horas trabalhando a posição dos dedos e os acordes cuidadosamente indicados por Mestre Zeca. O esmero ajuda na transição de um a outro instrumento. São tocadores de viola caipira e serão tocadores de viola de fandango.
 No dia 30 de março, foram para o almoço e levaram seus instrumentos. Enquanto Denis Lang preparava a carne na chapa do fogão à lenha, exercitavam sequências e ritmos com o apoio de Aorélio Domingues. Mas depois do almoço e antes da tarde fandangueira nos presentearam com boas modas de viola, levadas com a simplicidade de quem toca com e por prazer.
 A habilidade à mostra, no improviso e sem esforço, remete ao comprometimento no aprendizado do fandango. Postura de músicos que se apropriam da própria cultura e a transmitem com honestidade. João Batista S. De Andrade e Fernando Nunes Cordeiro enriquecem as manifestações culturais do litoral paranaense.


Fotos Erly Ricci e Silzi Mossato

Aula de Fandango na Casa Mandicuéra


Aorélio nunca pára. Está sempre fazendo alguma coisa, e quase nunca pra si mesmo. Ministra aula de viola fandangueira, ritmos do fandango caiçara, marcas e versos, concede entrevista, lida na cozinha, ensina a construção de instrumentos típicos da cultura caiçara (rabeca, viola, adufo, caixa, machete e viola) e ainda supervisiona o trabalho dos outros na Casa Mandicuéra, tudo ao mesmo tempo. Em 28 horas de convivência, das quais mais de 8 foram de conversas sobre seu trabalho, Aorélio tocou viola, rabeca, adufo, ensaiou para a Romaria do Divino Espírito Santo (cuja saída para as ilhas e comunidades do litoral paranaense será nesta sexta-feira, 13), supervisionou o trabalho dos fabriqueiros como ele chama os alunos do seu atelier de lutheria, atendeu ao pessoal do teatro que fizeram duas apresentações na Casa e ainda recebeu os diversos visitantes e amigos e contou algumas piadas sobre a rivalidade entre as duas cidades portuárias do Paraná, Antonina e Paranaguá. Sempre de bom humor e disposto, Aorélio não dormiu mais do que duas horas, de sábado para domingo.

Esse moço hiperativo é um dos que fazem a cultura popular dos caiçaras paranaenses mais viva do que nunca. Ensina a construir instrumentos, a tocar e fala das tradições culturais da comunidade em que nasceu e foi criado com uma superdose de amor.
Aorélio Domingues é um jovem, como a maioria das pessoas que participam da Associação de Cultura Popular Casa Mandicuéra, um Ponto de Cultura na Ilha dos Valadares em Paranaguá. Neto de fandangueiro, escolheu trabalhar, viver, divulgar e “tocar suas tradições pra frente”. Formado em artes plásticas pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná – EMBAP, o jovem fabriqueiro, depois de ganhar inúmeros prêmios em salões de arte, resolveu voltar às origens e se dedicar em manter viva a cultura caiçara.

Segundo ele.  muitas coisas foram sendo esquecidas pelos velhos mestres e existe uma grande dificuldade de resgatar algumas canções. “Mas basta que o mestre ouça um trecho para lembrar e tocar novamente”. “Queremos resgatar algumas canções esquecidas e os pesquisadores que gravaram os velhos mestres poderiam nos ajudar nessa empreitada”, diz com aquela segurança de quem sabe o caminho que precisa trilhar.
O aprendiz de lutheria (fabriqueiro de rabeca), rabequeiro, violeiro, cozinheiro fandangueiro, romeiro... Denis Lang

Aorélio é também um dos idealizadores, criadores e diretores da Orquestra Rabecônica do Brasil, para a qual construiu cerca de 40 instrumentos.   A orquestra, a 1ª do Brasil, foi viabilizada pela Lei de Incentivo à Cultura de Curitiba e já se apresentou em diversas ocasiões, com o espetáculo Açucena, de música e folclore de Aorélio Domingues,  direção musical de Ulisses Galetto e trás além de inúmeros músicos importantes no cenário paranaense, mestres da Associação de Cultura Popular Mandicuera. As músicas tem arranjos de Carla Zago e Rodrigo Melo.  Apresenta a cultura caiçara do litoral paranaense, com seus causos, danças, ritos e crenças. Um show multimídia que mostra tradições como a Folia do Divino Espírito Santo, o Fandango, o Boi de Mamão, a Folia de Reis, o Terço Cantado, pela interpretação de uma orquestra formada de adufos, violas, machetes, machetões, caixas, rabecas e rabecões.

As rabecas construídas pelo jovem Mestre Aorélio apresentam um fino acabamento, a delicadeza , o timbre e a leveza de um violino. Seu atelier é completo e ele já construiu instrumentos como violoncelo e contra-baixo. Tem fixação por ferramentos. “Não posso entrar em lojas de ferragens que acabo sempre comprando mais do que podia”. O ofício de “fabriqueiro”, como gosta de chamar, também aprendeu com o avô, de quem herdou a rica cultura caiçara.
Aorélio Domingues considera que é importante ensinar, trazer as crianças para perto das suas tradições, valorizar e incentivar a arte popular dentro da própria comunidade, mas também mostrar lá fora, tirar o ranço de pobreza com que a nossa cultura sempre foi tratada no Paraná.

Não é só por isso que ele não pára. É, talvez, porque a arte da sua comunidade tenha fincado raízes generosas em seu coração. É, talvez, por puro deleite e paixão. É, talvez, porque, de outro modo, seria triste e infeliz.
Silzi Mossato  e eu passamos 28 horas - pela segunda vez (a primeira foi na semana anterior) - documentando a atividade da Casa Mandicuéra para o Projeto Interface, através da Kaaruara Editorial e da OSS, de documentação e divulgação da cultura popular brasileira, iniciado pelo fandango. 
Leia na postagem abaixo o artigo de Silzi

TRADIÇÃO, RESGATE E TRANSFORMAÇÃO


                                                                        Texto e fotos: Silzi Mossato

Mestre Zeca é o último dos antigos tocadores de rabeca da Ilha dos Valadares. Aorélio Domingues, o primeiro da nova geração. Não foi aluno de Zeca, mas é parceiro na formação da nova geração de cantores e tocadores de fandango. O menino irrequieto cresceu na Ilha. Ao lado do avô Rodrigo Domingues vivenciou não só a dança e a música de sua gente, mas o fabricação dos instrumentos. Observando e imitando os antigos, aprendeu a tocar rabeca e viola, mas também a valorizar a própria gente e suas manifestações.

Marcio Pontes R. Ribeiro (aluno e aprendiz na oficina de construção de instrumentos), Aorélio, Mestre Zeca e Luis Fabiano Corujinha (aluno de rabeca)


 Mestre Zeca, Luis Fabiano Corujinha, Fernando Nunes Cordeiro (aluno de viola de fandango) e João Batista de Andrade (aluno de viola de fandango)





Aorélio cresceu, deixou a Ilha, cursou Artes Plasticas na EMBAP – Escola de Música e Belas Artes do Paraná - ganhou os salões de desenho do estado e voltou às origens para não deixar que o grande patrimônio imaterial de sua infância e adolescência desaparecesse.
Na direção da Casa Mandicuera cria e recria os instrumentos, buscando aperfeiçoar a arte. E a ensina. Mas vai além. Toca, canta, coordena atividades do espaço que recebe e acolhe participantes e visitantes.

Entre a distribuição de atividades, a contribuição na aula dada por Mestre Zeca e a participação nas cantorias, conta causos, faz pegadinhas e fala das atividades da Casa Mandicuera, afirmando que “ a proposta é fazer a gurizada viver o universo do fandango”. E em 28 horas de convivência, entre o inicio da tarde do sábado, dia 31 de março e o final da tarde de domingo, 01 de abril de 2012, constatamos que a proposta se realiza plenamente. E vai além. A Casa recebe e apoia outras manifestações. Durante o almoço feito no fogão à lenha, a cantoria do fandango dá lugar às modas de viola, entoadas por alunos e integrantes do grupo. Na Capela e Museu Vivo do Fandango, construída pelos participantes do grupo, os ensaios para a Romaria do Divino entram na noite. Na tarde de domingo, duas encenações da Tato Criação Cênica lotam o auditório montado especialmente para o evento.
Detalhes da Capela:
Representação do Divino e as bandeiras da Romaria

                                                Aorélio mostrando os objetos do museu


Em tempos de homogeneidade forjada pela desqualificação e consequente desaparecimento de muitas manifestações populares, a Casa Mandicuera dá lição a ser seguida. Resgata e transforma a própria cultura, oferece espaço de convivência e aprendizado, valoriza e dá sustentação aos talentos emergentes. E do meu ponto de vista, Aorélio exercita na Casa, a função paterna, organizativa e estrutural, que tem desaparecido e deixado crianças, jovens e adultos sem rumo.
Moda de viola; João Batista e Fernando com acompanhamento de Miguel Martins (Mamangava)

Mestre Zecca e mamangava com Eloir Paulo Ribeiro de Jesus (Poro), presidente da Associação,
 
 Ensaio de Marcio e Denis Lang (fabriqueiro, toca viola e estuda rabeca)

Durante o próximo mês integrantes do grupo Mandicuera percorrem parte do litoral paranaense com a Romaria do Divino. A trajetória será divulgada pelo site www.mandicuera.com. neste período serão postados diferentes vídeos das atividades na Casa Mandicuera, pelo Projeto Interface.

O MESTRE ENTRE ALUNOS - Projeto InterFace


Visita à Casa Mandicuera                                         texto e fotos: Silzi Mossato

Mestre Zeca afinava, de ouvido, os instrumento que os alunos usariam na aula que daria à seguir. Acostumado às visitas, nos recebeu com gentileza, sem deixar a ativadade. Com rapidez e agilidade passava da viola à rabeca e a outra viola e outra rabeca. E enquanto cumpria o ritual, nos mostrou, com os mesmos movimentos leves e sutis, a habilidade com um e outro instrumento. Entrecortando o som, com a fala impregnada de alegria sincera, contou sua trajetória de fandangueiro.
Mestre Zeca é, no momento, o último rabequista da Ilha dos Valadares, em Paranaguá. Os velhos mestres partiram sem deixar seguidores. Mas a Casa Mandicuera cuida para que a arte não desapareça e recebe um grupo de alunos que nas tardes de sábado deixam a cidade vizinha para ter aulas de viola e rabeca.
Na Ilha há outros grupos de Fandango: Grupo do Mestre Romão, Grupo do Mestre Brasilio e Grupo Pé de Ouro. Mestre Zeca toca em todos. E com riso esboçado, confessou que este ano, no carnaval da Ilha, que foi de fandango. tocou quatro bailes, das dez da noite às quatro da manhã, mas cansou. Os grupos se revesavam, mas ele, integrante de todos, não teve tempo pro descanso.
José Martins Filho tem cinquenta e nove anos, vive na comunidade há trinta e toca rabeca desde os catorze. A música limpa, simples e bela, sai do instrumento sem que se possa ver no tocador, qualquer sinal de esforço.
Ao lado de Jairo Paulo, vocalista de primeira voz no Grupo Mandiquera, nos presenteou com alguns clássicos, antes que os alunos chegassem.


OS ALUNOS DO MESTRE
Luis Fabiano Corujinha, João Batista de Andrade e Maria Eduarda moram em Morretes. No momento fundam um novo grupo de fandango e fazem aula com Mestre Zeca para que outros possam dançar ao som de seus instrumentos. No sábado de nossa visita trouxeram um visitante, Luiz Fernandes, dançarino de fandango, para que pudesse viver a experiência.
Luis Fabiano escolheu a rabeca como instrumento enquanto João Batista e Maria Eduarda seguem na viola. Ela, dando mobilidade à tradição, será a primeira violeira de fandango.
A prefeitura de Paranaguá, entendendo a valor da proposta, a apoia, remunerando o mestre, que sempre viveu de outros trabalhos.
A aula simplesmente acontece. Mestre Zeca na rabeca ordena, sem ditar regras, uma sequencia de atos, dando atenção a um e outro. Os olhos brilham, enquanto faz movimentos com o arco e, ao mesmo tempo, cuida dos detalhes dos movimentos de seus alunos. .

O PRÓXIMO APRENDIZ
André Bello é aprendiz no Atielier Rodrigo Domingues, oficina da Casa Mandicuera, onde o fabriqueiro Aorélio Domingues, produz e repassa sua arte. André nos conta que já construiu seis rabecas, mas vendeu. Agora constrói a sua. Tomará aulas com mestre Zeca, mas desde já, com instrumento coletivo, ensaia os movimentos e tira das cordas, os sons do fandango.

Desta maneira, na simplicidade das ações, os integrantes da Casa Mandicuera repassam e dão mobilidade à tradição, prestando um serviço essencial à nossa identidade cultural.


Projeto InterFace:
OSS e Kaaru Ara
elaboração e execução: Erly Ricci e Silzi Mossato